segunda-feira, 28 de março de 2011

As fraudes continuam...

É antiga a piada que ruborizava avós e mestres. No colégio, durante aula em que eram ensinados valores religiosos e espirituais, indagaram ao aluno peralta: "Joãozinho, diga algo que você sabe que existe, mas não consegue ver." A resposta foi rápida: "A calcinha da professora."

A curiosidade de Joãozinho assemelha-se às fraudes no seguro-desemprego. Há anos, sabe-se que elas existem, mas ninguém as vê claramente. No mês passado, o Tribunal de contas da União (TCU) avançou ao considerar o programa "repleto de fragilidades". Os auditores constataram a falta de sistema que cruze os dados fornecidos pelos supostos desempregados com as informações oficiais. Além disso, criticaram o software utilizado e a confiabilidade do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). O próprio governo federal admite as irregularidades ao anunciar - juntamente com a promessa de corte de R$50 bilhões - que pretende obter R$3 bilhões, neste ano, combatendo os que lesam o abono salarial e o seguro-desemprego.

A hipótese é otimista, embora os números sejam realmente estranhos. Em 2006, o governo federal pagou R$10,4 bilhões aos desempregados que recorreram ao benefício. Em 2010, os valores quase dobraram, atingindo R$20,4 bilhões. Curiosamente, no mesmo período, os índices de desemprego caíram de 9,9% para 5,3% em dezembro de 2010. Em resumo, temos agora mais pessoas empregadas e mais desempregados buscando o seguro-desemprego. Não é fácil entender.

É certo que a ampliação da força de trabalho e de eventual rotatividade da mão de obra podem ter contribuído para elevar essas despesas nos últimos quatro anos. No entanto, será que esses fatores justificam o crescimento real de 30% nos valores pagos? O Ministério da Educação, em boa hora, pretende propor mudanças na legislação, exigindo que os beneficiários reincidentes façam cursos de qualificação profissional, o que criará dificuldades para os fraudadores.

No caso específico do seguro-desemprego ao pescador artesanal, a situação não é muito diferente. Trata-se do salário mínimo mensal pago aos pescadores profissionais - que exercem a atividade individualmente ou em regime de economia familiar - durante o período de proibição da pesca, para a reprodução dos peixes e a preservação das espécies. Em 2006, a União pagou R$339 milhões aos 255 mil favorecidos. Em 2010, os pagamentos mais que triplicaram, chegando a R$1,2 bilhão, atendendo a mais de 500 mil pessoas cadastradas nos sindicatos e nas colônias de pesca. O valor bilionário do ano passado é cinco vezes maior do que os gastos integrais do Ministério da Pesca e Aquicultura e 4,5 vezes a receita do país, em 2009, com a exportação de pescados e crustáceos. Para o procurador da República em Tubarão, Celso Antônio Tres, a situação é caótica. Os empregados pedem aos patrões para não assinarem as carteiras de trabalho para que não conste o vínculo trabalhista, o que faria com que perdessem o seguro e a aposentadoria especial. Cerca de 300 pessoas já foram processadas, mas, segundo ele, "é como secar um oceano".

Nesses casos, entre os remédios usuais estão a transparência e o incentivo ao controle social. Infelizmente, porém, a lista de beneficiários é considerada sigilosa. Ao contrário do bolsa família, em que são conhecidos os valores, as cidades e os nomes de todos os contemplados , no seguro-desemprego, inclusive dos pescadores artesanais, os dados dos favorecidos não são divulgados. Assim, graças ao parecer de algum burocrata, o segredo alimenta as fraudes cometidas por centenas ou milhares de espertalhões.

Outra área onde supostamente existem fraudes é na folha de pagamentos. Aqui, as suspeitas são importantíssimas, pois Executivo, Legislativo e Judiciário gastam quase R$200 bilhões, por ano, com pessoal e encargos sociais. O governo vai literalmente pagar para ver, contratando a Fundação Getúlio Vargas (FGV) para realizar auditoria, trabalho paralelo às atividades institucionais da Controladoria-Geral da União (CGU) e do TCU. Aliás, tal como aconteceu durante os escândalos do Senado Federal, a FGV exercerá, mais uma vez, o papel de Santo Expedito, resolvendo causas administrativas, urgentes e justas. Tomara que os seus técnicos façam milagres.

Enfim, são muitas as falcatruas que, há tempos, sabemos existir no Orçamento federal. O que esperamos como cidadãos é que, ao contrário do que acontece com o Joãozinho, o governo consiga enxergar o que existe por debaixo dos panos.




Artigo de Gil Castello Branco, que é economista e secretário-geral da organização não governamental "Contas Abertas".

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